Observing Together: Communities

Sessão de 14 de Novembro de 2013, Cristina Picanço e Luísa Sousa

Book club
Part 5 - Observing Together: Communities
" Observing Together: Communities” (Introduction), p. 369-371
  • Daniela Bleichmar, "The Geography of Observation: Distance and Visibility in Eighteenth-Century Botanical Travel", p. 373-395
  • J. Andrew Mendelsohn, "The World on a Page: Making a General Observation in the Eighteenth Century", p. 396-420
  • Anne Secord, "Coming to Attention: A Commonwealth of Observers during the Napoleonic Wars", p. 421-444
in Lorraine Daston & Elizabeth Lunbeck (eds.), Histories of scientific observation, (Chicago/London: The University of Chicago Press 2011).


Nota sobre os autores

Daniela Bleichmar é professora associada no departamento de História e História de Arte da Universidade da Califórnia, especializada em História da Cultura Visual e das Ciências Naturais na Europa e na América espanhola, no período 1500-1800.
O seu trabalho centra-se na história do império espanhol e início da Europa moderna, a produção e utilização de material visual na ciência, a história da coleta e exibição e a história do livro e da impressão.
A sua investigação e interesses de ensino incluem interações entre arte e ciência no início do período moderno; cultura visual e material na América espanhola e na Europa moderna (early modern), a história da Península Ibérica, da América espanhola e do Mundo Atlântico, a história do colonialismo, imperialismo e trocas globais; a história de recolha e exibição; a história da imprensa, livros e leitura e a história da viagem.
Tem uma série de publicações entre livros, capítulos ou artigos relacionados com estes temas, das quais se destacam:
Bleichmar, D. (2012). Visible Empire. Colonial Botany and Visual Culture in the Hispanic Enlightenment. University of Chicago Press. 
Bleichmar, Daniela and Peter C. Mancall (Ed.). (2011). Collecting across Cultures: Material Exchanges in the Early Modern Atlantic World. Philadelphia, PA: University of Pennsylvania Press. 
Bleichmar, Daniela; DeVos, Paula; Huffine, Kristin; and Sheehan, Kevin (Ed.). (2008). Science in the Spanish and Portuguese Empires (1500-1800). Stanford University Press.
Bleichmar, D. (2007). “Atlantic Competitions: Botanical Trajectories in the Eighteenth-Century Spanish Empire”, Science and Empire in the Atlantic World / Routledge, pp. 225-252.
Bleichmar, D. (2007). “Training the Naturalist’s Eye in the Eighteenth Century: Perfect Global Visions and Local Blind Spots”, Skilled Visions. Between Apprenticeship and Standards/Bergahn Books, pp. p. 166-190.

J. Andrew Mendelsohn estudou em Harvard e Princeton, foi professor no Imperial College de Londres, onde coordenou o Centro de História da Ciência, Tecnologia e Medicina. Atualmente é professor no Queen Mary University of London, colaborando também com o Instituto Max Planck para a História da Ciência em Berlim.
Dedica-se actualmente ao estudo do desenvolvimento da pesquisa (ou inquérito) fora das ciências - na governança e na produção. O seu foco atual é a observação e raciocínio de médicos nos seus papéis jurídico-administrativos. Orienta doutorandos em diversas áreas (Governança, especialistas e públicos na Europa moderna e início da era moderna; A ciência, a política e a política de saúde e doença, séc. XIX-XX, História do inquérito, História das Ciências médicas , humanas e vida).
As publicações mais relevantes sobre a história da observação científica são:
The Microscopist of Modern Life”, Osiris 18 (2003): 150-170
Lives of the Cell”, Journal of History of Biology 36 (2003): 1-37.

Anne Secord é investigadora afiliada do Departamento de História e Filosofia da Ciência da Universidade de Cambridge.
Os seus interesses de investigação estão relacionados com práticas de história natural, história da ciência popular do século XIX (particularmente na Grã-Bretanha), educação científica e compromisso entre a classe trabalhadora e a ciência, horticultura, medicina e consumo no século XVIII.
Tem uma série de publicações nestas áreas, sendo de destacar:
'Pressed into service: specimens, space, and seeing in botanical practice', in David N. Livingstone and Charles W. J. Withers, eds, Geographies of Nineteenth-Century Science. Chicago: Chicago University Press, 2011, pp. 283–310.
'Coming to attention: a commonwealth of observers during the Napoleonic Wars', in Lorraine Daston and Elizabeth Lunbeck, eds, Histories of Scientific Observation. Chicago: Chicago University Press, 2011, pp. 421–44.
'Botany on a plate: pleasure and the power of pictures in promoting early nineteenth-century scientific knowledge', Isis, 93 (2002), 28–57.

Resumo dos capítulos

Part 5 – Observing Together: Communities

Nesta última parte do livro é chamada a atenção para a componente coletiva do processo de observação científica e da criação de comunidades a ela associadas, comunidades estas que já existiam nos tempos mais remotos, quer se tratasse dos astrónomos da Babilónia, dos marinheiros que interpretavam os sinais durante as viagens ou dos agricultores que previam o tempo ao longo de várias gerações. Mas com a entrada no período moderno, houve a necessidade de organizar estas comunidades, de as estandardizar. Os capítulos aqui discutidos ajudam-nos a perceber como estas comunidades se organizaram para recrutar, disciplinar, motivar e coordenar os diferentes observadores, com consequências no tipo de observações produzidas. Há a constante analogia entre a natureza e a sociedade no que diz respeito às práticas de observação.


Quadro resumo de tópicos dos três capítulos

Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Disciplina e objeto de estudo
Botânica; imagens
Meteorologia e Medicina, produção de observações gerais (ou generalizações)
Botânica marinha; estudo das algas (tentativa de definição de taxonomia e estudo do processo de reprodução)
Atores

naturalistas (botânicos) viajantes ou em missão nas colónias, naturalistas (botânicos) na metrópole, correspondentes, artistas; (imagens)
médicos de província, redatores, membros da Real Sociedade de Medicina (questionários, o papel e a tinta)
naturalistas, evangélicos (a costa inglesa, algas), exército
Lugares

Império Espanhol, Madrid, Jardim Real Botânico Migas Calientes (Madrid), Nova Granada (América do Sul), gabinetes e campo, Natural History Cabinet, a Farmácia Real, e vários hospitais reais e navais.
Paris; Real Sociedade de Medicina; Academia de Ciências, Artes e Letras de Dijon (província); Observatório de Montmorency, perto de Paris; gabinetes dos médicos da província francesa
Costa inglesa (Norfolk, Cornualha), Acton Castelo (na costa da Cornualha) do gentleman John Stackhouse)
Período

Segunda metade do século XVIII (segue uma missão em particular, a do Mutis)
Anos setenta e oitenta do século XVIII
Final do século XVIII, início do XIX (guerras revolucionárias e napoleónicas entre a França e a Inglaterra)


15 – “The Geography of Observation: Distance and Visibility in Eighteenth-Century Botanical Travel” – Daniela Bleichmar

Neste capítulo a autora aborda a relação entre a observação científica e o império espanhol, tendo como exemplo as missões dos botânicos espanhóis e posterior produção de imagens de plantas do novo mundo, no século XVIII, onde não são descurados os interesses económicos e científicos (Big business and big science). Trata também da construção do conhecimento à distância – como calibrar os olhos e mãos destes viajantes, artistas e botânicos (Empirismo coletivo, redes de observação de longa distância no império espanhol, como observar à distância).
Modo como a própria observação viaja empirismo coletivo de longa distância depende da circulação de objetos, palavras e imagens estas últimas são um meio privilegiado de transportar o objeto e a observação em si, encurtando a distância entre o campo e o gabinete.
Relação entre distância, visibilidade e invisibilidade conflito autoria e autoridade.
Casimiro Gómez Ortega, diretor do Royal Botanical Garden, recrutava correspondentes e treinava os viajantes que iam nas expedições, num controlo do campo a partir do centro (Madrid), de modo a aumentar o prestígio da Botânica e aumentar a coleção do Jardim. Objetivos taxonómicos e económicos (identificação de novas espécies e comércio de especiarias) das missões na América e Filipinas desejo comum a outros naturalistas, como Lineu.
José Celestino Mutis (1732-1808), nascido em Cádiz numa família de livreiros, estudou medicina e cirurgia, tendo trabalhado em Madrid como instrutor de anatomia. Assistiu a aulas de Botânica no Royal Botanical Garden of Migas Calientes. Principal naturalista do seu tempo, na colónia de Bogotá (Colômbia), supervisionou um grupo de artistas que produziu 6700 ilustrações de plantas. Foi professor de matemática, astronomia e de filosofia natural (primeiro a lecionar Copérnico e Newton na América espanhola), tendo participado na reforma educativa após a expulsão dos jesuítas do território espanhol em 1767. Não um simples observador, mas um expert, disciplinado e metódico. A observação era parte daquilo que era, um hábito e um modo de vida. Relacionado com atividades de coleta, comparação, classificação, escrita e desenho.

O naturalista como observador – análise de um retrato de Mutis – caracterização da observação como um processo individual, um ato solitário de concentração, um regime de atenção que requer abstração das distrações mundanas, quase como o contexto atual de observação religiosa.
No entanto, Mutis fazia parte de uma rede internacional de naturalistas, artistas, coletores, físicos e administradores coloniais e imperiais por todo o globo. Este processo coletivo afetava a temporalidade e a geografia da observação. A observação em história natural não ocorria numa sessão ou local isolados, mas sim por extensos períodos de tempo e em vários cenários (conversas, comparação, produção de imagens). As imagens eram o resultado dos múltiplos atos de observação em vários locais e de diversos objetos! (corpo ideal)
Autopsia
Distância como desafio para naturalistas, mas também oportunidade para viajar!

Redes de observação imperiais e viagens científicas – experiência de observação como resultado do treino ao longo da vida.
Interesses e competição internacional económica e política que criaram oportunidades aos naturalistas de apresentarem os seus serviços a patronos interessados Botânica como grande negócio e grande ciência no século XVIII!
Gómez Ortega coordenou 7 expedições de história natural a vários locais do império, com cerca de 15 naturalistas e quatro vezes mais artistas! Em estreita colaboração com membros da administração imperial projeto global!
Observação e viagens ligadas! (objetivo da viagem era observar!) observação presente nas narrativas de viagem e nos títulos de vários trabalhos.
O problema mais significativo com o conhecimento europeu da flora das Américas era as imagens e descrições textuais incoerentes e incompletas. Tinham de ter material mais exato e isso dependia dos viajantes e ainda mais dos habitantes locais (viam todo o ciclo temporalidade da observação).

Imagens em movimento: transportar observações – Mutis enviou cerca de 250 espécies em herbário a Lineu entre 1767 e 1778, assim como coleções de imagens; também para Gómez Ortega.
Herbolários – coletores de plantas
Expedições não só com fim comercial, económico e utilitário, mas também com o de produzir representações visuais das plantas americanas. (descrição de 500 plantas e produção de 6700 imagens!!!)
Uma única imagem envolve uma estreita colaboração entre coletores, botânicos e equipas de artistas, num processo de vários dias. Cada imagem envolve não só a planta, mas múltiplas observações, decisões, negociações e várias especialidades. Mutis não trabalha sozinho, como a imagem inicial sugere, mas supervisiona uma grande operação!
Cartas de naturalistas referem o papel fundamental dos artistas, sob autoridade dos naturalistas: os naturalistas são os olhos da expedição, os artistas as mãos! As imagens produzidas são os desejos dos naturalistas, não criações artísticas, pelo que os naturalistas se consideram os verdadeiros autores das imagens.
Importância dos livros na interpretação da triangulação imagem-texto-espécimen.
Imagens como ponto de partida para a exploração da natureza no século XVIII, funcionando como instrumentos chave na produção de conhecimento. (informação abstrata, aproximação das plantas). História natural como disciplina essencialmente visual, baseada na observação e representação de espécimenes longínquos.

Observando à distância: geografia, autoria e rasuras – explorações naturais do século XVIII caracterizadas pela tensão entre duas tendências: impulso de mover, saber pela experiência vs. incorporação do saber, comparação. As ilustrações estabelecem a ponte entre estes dois impulsos, encurtando a distância entre o gabinete e o campo, entre a Europa e o resto do mundo.
Antonio José Cavanilles (1745-1808), diretor do Royal Botanical Garden of Madrid entre 1801 e 1804 e correspondente de Mutis.
Olho e mão trabalham coordenados, imagem produz texto.
Mutis observou vários exemplares naturais ao longo dos anos e o seu trabalho com um artista permitiu a criação de imagens que são o resultado composto de todas essas observações, não contemplando a geografia e a distância, nem o trabalho coletivo de observação a longa distância.
Autoria e prioridade coloca os naturalistas em competição serem superados enquanto viajam necessidade de comunicarem o que descobriram correspondência! (a autoria não é de quem colhe sem examinar, é de quem as dá a conhecer ao público…)
Dependência naturalista gabinete vs campo (envio de material e publicação)
Cavanilles é da opinião que os viajantes não são os melhores observadores, mas sim quem está no gabinete a observar (espaço controlado).
O papel das imagens como mediadores entre o campo e o gabinete, refletindo não apenas a construção da observação em si, mas também todo o seu contexto de produção (distância, tempo, atores, idealizações – imagem feita a partir de várias plantas e segundo códigos de leitura que permitiam o trabalho de classificação pelos naturalistas de Madrid).
Os esforços de tornar a natureza global visível envolvem sempre partes invisíveis!
Nesta secção, o segundo parágrafo da página 392 “Images played an important part…” foi um dos que suscitou mais discussão. Quem discordava da opinião da autora, considerou que em taxonomia é isto mesmo que se pretende, pois tudo o que esteja a mais na imagem é fonte de distração e todas as informações adicionais estão nas descrições que acompanham as imagens. Na minha opinião (CP), a autora refere-se especificamente aos casos dos quadros representados neste artigo e não à taxonomia ou botânica no geral.


16 – “The World on a Page: Making a General Observation in the Eighteenth Century” – J. Andrew Mendelsohn

Como são as observações gerais sobre doença e clima construídas pela Real Sociedade de Medicina, sediada em Paris, em 1776?
Estas observações gerais (ou generalizadas) são construídas através de uma comunidade e através de técnicas escritas (o papel e a tinta) e técnicas de resumo e de sistematização da informação.
A Sociedade seguia a doutrina Hipocrática que relacionava o conhecimento do clima e as doenças, no sentido de determinar a constituição, ou seja, o tipo patológico dominante. A constituição dependia do predomínio nas doenças de um dos quatro fluídos corporais ou humores (o carácter das doenças) conforme proposto por Galénico, inflamatório (sangue), catarral (fleuma, expectoração), bilioso (bílis amarela) ou atrabiliário (bílis negra), tendo os médicos setecentistas pretendido relacioná-los com as observações do clima descritas de acordo com as quatro qualidades propostas por Aristóteles (frio, quente, húmido e seco). Pretendia-se criar instrumentos preditivos que ajudassem no tratamento das doenças, o que tinha motivações não apenas científicas, como económicas.
A coordenação da comunidade que fornecia informações médicas e meteorológicas era feita através da Real Sociedade de Medicina, sendo essa comunidade constituída, essencialmente, por médicos das províncias francesas, que enviavam os seus relatórios para a Sociedade, onde eram tratados. Para a construção de observações gerais havia o problema da quantidade de informação recolhida a nível médico e meteorológico (enviada pelos médicos de província, quinzenal ou mensalmente) e falta de uniformidade dessa informação, devido à falta de formação e ao amadorismo de quem fazia essa recolha. Estes relatórios eram então submetidos a um trabalho de redacção, que construía as referidas observações gerais. Partia-se do particular para o geral (não confundindo, contudo, com a criação de uma lei universal). Não se procurava um trabalho de classificação, mas de generalização (p. 402). O autor diz que isto foi possível não apenas pela existência desta comunidade mas também pelas técnicas de papel e de tinta entretanto criadas.

Estrutura do artigo
Para além da introdução e da conclusão o artigo tem quatro partes, cada uma relacionada às técnicas de “papel e tinta”: o extrato, o “précis” (uma precisão…… um resumo), a questão da quantificação (quantificação sem contagem, ou seja, quantificação adjetival ou adverbial) e as tabelas (ou a “folha dividida”). O autor pretende mostrar como estas técnicas de papel e tinta construíram a forma como se produziu conhecimento, ou seja, as observações gerais lidas e publicadas pela Real Sociedade de Medicina, em Paris.
O autor identifica três locais e níveis de construção da informação (p. 399):
- a troca de correspondência: “… a cultura e a prática de produzir observações científicas que pudessem ser trocadas e colecionadas era epistolar”;
- O “bureau” da Sociedade: “… [a cultura da] coordenação da produção científica e do inventário era administrativa”;
- a “Redacção” (rédaction – escrita): “… [a cultura] da sua avaliação, análise e síntese generalizante era editorial”.
A percepção na consulta dos manuscritos que ainda existem e que foram submetidos a este processo é a de que as vozes individuais desapareceram, dando lugar a um palimpsesto. A primeira técnica utilizada era o extrato (de extração de um registo paroquial de baptizado, por exemplo; um resumo). Mas o extrato não produzia observações gerais.
O trabalho de redacção era tanto feito na Real Sociedade de Medicina em Paris como no Observatório de Montmorency, perto de Paris, onde eram tratadas não apenas observações meteorológicas, como também informações nosológicas (relativas às doenças) e recorria a técnicas da escrita da observação médica (mais antigas) e a técnicas da escrita em tabelas da observação meteorológica (mais recentes). No entanto, qualquer destas técnicas passava pelo processo da extração repetitiva (um processo iterativo) durante o processo de redacção – o que por si, no entanto, não conduzia às observações gerais.
Esse trabalho seria facilitado com o “précis” (que era uma foram de extração da informação, mas realizada de maneira diferente) que preservaria informações que se perderiam no extrato, podendo levar à construção de observações gerais, ou seja, “observações que revelassem padrões gerais de doença, que preservassem detalhe suficiente para serem úteis, que aumentasse o poder preditivo e ajudasse a orientar o tratamento”. (p. 404)
Seguindo a doutrina Hipocrática e com a preocupação com o efeito na economia das epidemias e das epizootias, foi ordenado em 1775 (por Turgot, controlador geral das finanças) um inquérito via questionário médico, topográfico e meteorológico a ser distribuído pelos intendentes aos médicos da sua província (p. 397).
No ano seguinte (?) a Real Sociedade de Medicina lançou, através do seu secretário perpétuo, primeiro médico correspondente e principal redator (Vicq d’Azyr) um questionário que, ao contrário do anterior, não permitia que as respostas pudessem ser subjetivas, mas antes continha 37 questões específicas que orientavam a resposta (p. 404).
Através do questionário fornecido pela Sociedade, era feita uma estandardização da informação, sendo que as observações que eram aproveitadas eram aquelas que mais se aproximavam do discurso que as generalizações pretendiam produzir. Esse estabelecimento de standards, feito no “précis”, era levado a cabo com o estabelecimento de uma grelha de análise que seria aplicada às observações individuais (um stencil). “O aparente inócuo «précis» rompeu a unidade de conhecimento fundamental e que se poderia trocar, o observatio” (p. 406).
Nestes précis era usada uma quantificação sem contagem, que recorria a advérbios (frequentemente, raramente) ou a adjectivos (escasso, reduzido, frequente). Havia a procura de tendências.
Estas práticas de quantificação foram desenvolvidas ao longo do século XVIII na meteorologia, tendo sido estendidas a outros tipos de observação, como a médica. A elaboração de médias relativamente a categorias foram realizadas tanto na meteorologia, como na medicina, tendo sido estabelecidas relações entre elas, nomeadamente através da utilização de duas colunas paralelas, que constituíram a “folha dividida”. A folha dividida era um instrumento de correlação, justapondo fenómenos completamente diferentes.

Argumento final
O autor pretendeu mostrar como foram construídas as observações gerais e como as observações individuais que tinham mais probabilidades de serem apresentadas como casos particulares eram aquelas que mais se aproximavam da grelha de análise imposta pela “redação” às observações iniciais. Ou seja, para que os casos dos médicos de província fossem incorporados como exemplos particulares de observação, como ilustrações de uma observação geral, os médicos tinham de dominar determinadas técnicas de escrita.

17 – “Coming to Attention: A Commonwealth of Observers during the Napoleonic Wars” – Anne Secord

A autora estabelece uma ligação entre o estudo das algas, as pessoas em Inglaterra que se interessaram por isso, a aplicação de uma cultura de observação e vigilância que já estava presente na história natural e que foi reforçada pela situação de guerra com a França (guerras revolucionárias e napoleónicas) e a sua relação com as questões de classe, moral, religiosa e económica. Precisamente, o título deste artigo fala da definição de uma competência de atenção por uma comunidade de observadores durante as guerras napoleónicas.


Estrutura do artigo
O artigo começa com duas citações, uma sobre a vontade de criação de uma comunidade de botânicos marítimos das costas Leste e Oeste de Inglaterra e outra com a comparação da organização taxonómica com a organização do exército.
Para além da introdução e da conclusão, o artigo tem as seguintes subseções: “Todos como soldados” (ou “Cada um como soldado”), “A ordem dos observadores”, “Um olhar atento” e “Mares de pensamento”.

Cada um como um soldado”
É no contexto macro das guerras revolucionárias e napoleónicas entre a França e a Inglaterra (1793-1815), que segue como pano de fundo ao longo do artigo, que a autora explica a criação (ou reforço) de regimes de vigilância constante, que tanto se aplicavam à potencial ameaça externa (os franceses), como à potencial ameaça interna (as rebeliões das classes mais baixas provocadas pela crise social, agravada pela guerra (os voluntários nos estratos mais pobres não tinham emprego caso regressassem da guerra); ou pela simpatia dos radicais desta classe pelos princípios revolucionários franceses), como ainda à zona costeira (quer para o estudo das algas, quer pela vigilância contra potenciais invasões).
Neste contexto, há o desenvolvimento de uma autodisciplina e de uma autovigilância que se enquadram num regime de atenção. Esta atenção também é dirigida aos outros. Este regime de atenção também tinha aplicações morais (por exemplo, os evangelistas e a atenção à sua “alma”), de defesa (a atenção aos potenciais invasores e aos espiões) e era já praticado pelos naturalistas.
O regime de atenção tem particular cuidado com o aparente, com o engano das aparências. A autora faz um paralelo entre o regime de atenção sobre as classes mais baixas, consideradas desviantes, e o regime de atenção a objectos que estão em zonas de fronteira, desconhecidas (e por isso também temidas), como os charcos e os pântanos salgados onde se encontravam as algas (que estavam entre “excremento” – rejectamenta - do mar). Também as algas “enganavam” os observadores (p. 425). Havia um escrutínio dos mundo social e natural.
Esse paralelo é feito afirmando que as práticas de observação, os hábitos de comparação, classificação (ranking) e de determinação de fronteiras usados na História Natural faziam parte de hábitos culturais que eram de igual forma aplicados a espécies, pessoas, espaços e nações (p. 423).
A autora apresenta a dificuldade que era estudar algas e o que é que isso representava (e como o interpreta):
- a dificuldade de observar as algas (a sua vulnerabilidade devido ao seu estado no mar e à sua alteração rápida quando retiradas do mar; o seu aspecto era variável conforme a fase em que estavam relativamente à reprodução);
Algas necessitam de rápida observação, pois mudam rapidamente de aspeto quando fora do mar. dificuldade de observação in situ/ confundiam os reinos naturais animal-vegetal. Observação parcial e fugaz, junto dos detritos do mar.
- havia muito pouco conhecimento sobre as algas: estava identificada a necessidade de criar uma taxonomia, criticando o que tinha sido feito por Lineu; estava a tentar perceber-se como funcionava a reprodução nas algas. – (isto aparece na subseção seguinte);
- Havia a necessidade de “estabilizar” o objecto de estudo antes de o classificar e também de criar uma comunidade de botânicos marítimos que cobrisse toda a costa inglesa.
 fundamental estabelecer uma comunidade de observadores de costa para estabilizar o objeto do seu estudo antes de fazer classificação, para permitir reconhecimento por outros pares. A publicação dava crédito à descoberta de novas espécies mas monitorizava a observação em si.
Esta comunidade e as suas técnicas e hábitos visuais sofrem com os constrangimentos da situação de guerra.
Constrangimentos da observação aprendizagem de técnicas e hábitos visuais que caracterizam uma sociedade particular, num período particular.
A atenção do império devia ser redirecionada dos centros imperiais para locais onde as coleções eram feitas ou onde novas formas de conhecimento eram encontradas. Mais do que nas viagens de exploração, a autora aqui centra-se nos observadores que não saíram da Grã-Bretanha no período da guerra, nomeadamente os primeiros investigadores de algas, para quem a linha de costa marcava, não só a fronteira entre terra e o espaço desconhecido do oceano, como o limite das técnicas estandardizadas de Botânica e a classificação de Lineu confronto com a ambiguidade.

A ordem dos observadores”
As particularidades dos observadores marítimos e os cuidados que tinham de ter na observação das algas, evitando fazer analogias com plantas terrestres.
As algas são ambíguas devido ao seu modo de reprodução e pelo meio onde habitam, pois fora de água secam rapidamente e alteram as suas características (cor, forma).
As algas então tinham interesse económico para os estratos pobres (como combustível, como forragem para os animais e como comida) e para a indústria do vidro (entrava na fabricação da soda (kelp), e cuja procura aumentou durante a guerra.
Os diferentes observadores - os indivíduos
Manter comunidade que nunca tinha estado junta mas que partilhava interesses comuns!
Lilly Wigg – sapateiro, professor, escriturário
Reconhecido pela qualidade das suas observações sobre algas. Foi o primeiro a tornar-se conhecido entre a comunidade de botânicos a fazer descobertas no lixo do mar e nos pântanos salgados.
Dawson Turner of Yarmouth – banqueiro que se interessou pelas algas e publicou várias obras sobre este assunto. Apoiou e trabalhou com Wigg. (vivia na costa Este – realizou observações na Norfolk coast)
Há casos, perfeitamente marginais nesta história, de militares com interesse sobre as algas que aproveitaram destacamentos para zonas costeiras para estudá-las (o caso de Robert Brown, que recolheu algas quando esteve ao serviço militar na Irlanda, assim como o Major Thomas Velley na costa sul de Inglaterra a vigilância de uma nação em guerra pôde gerar um contexto observacional que contribui para o estudo das plantas marinhas cultura da vigilância defensiva); ou do regime de vigilância levar à confusão de botânicos marítimos com espiões na Escócia (p. 429) – o que não autoriza o que é escrito na introdução à Parte V do livro sobre este capítulo (dá-nos uma ideia enganadora sobre o artigo).
A autora vai fazendo o paralelo moral entre os naturalistas que iam procurar o seu objeto de estudo, as algas, no meio do lixo do mar, e a moral destes naturalistas (como o poeta George Crabbe) que comparavam este estudo com a necessidade do sistema passar a tratar os pobres de outra maneira (por exemplo, analisar as causas reais do aumento da criminalidade, como a fome e outras consequências da guerra, em vez de os estigmatizar).

Um olhar atento”
A necessidade de definir e estabilizar o objecto de estudo – as algas. O exame a todos os “indivíduos” da população de algas foi uma necessidade identificada no século XVIII.
A autora apresenta-nos o gentleman da Cornualha John Stackhouse, que teve um papel fundamental no estudo da reprodução das algas, tendo determinado, em 1797, que as algas eram plantas. Isso foi possível graças às experiências realizadas, a partir de 1775, no seu castelo na costa da Cornualha (onde tinha piscinas de água salgada para o estudo das algas), ao uso do microscópio (queria imitar a natureza através de experiências miméticas para observar os fenómenos naturais) e ao “Calendário de plantas marítimas” de Turner, que mostrou que muitas espécies de algas não frutificavam antes de meados do Inverno, quando a maior parte dos botânicos já não estava na costa.
Aqui há uma linha ténue entre observação e experimentação (a realização de experiências controladas com algas) que gostaríamos de discutir.
A autora refere ainda a importância do contributo de outros observadores e da separação entre acuidade visual e conceitos teóricos. A guerra também afetou as experiências de Stackhouse, quando viajou para Paris num intervalo de paz em 1802 e comentou o que, na sua opinião, era o atraso francês relativamente à Botânica Marinha. Propôs alterações à classificação de Lineu, publicadas em 1809, mas que só circulariam em 1815; houve uma segunda edição em 1816, que foi “ocultada” pela publicação reclassificação das plantas marinhas do francês Lamouroux.

Mares de pensamento”
Os valores morais e religiosos do evangélico Turner e os seus princípios na prática da observação das algas. A ideia da salvação moral através do despojamento, da privação, da humildade (também científica), da fidelidade no casamento, da autovigilância da alma e a contemplação da natureza como exercício espiritual.
A autora aqui também fala da comparação de observações entre as duas costas, nomeadamente do tamanho das algas e da sua espessura, sendo arranjadas medidas qualitativas para essa comparação (como analogias com a espessura de penas de várias aves). observação por comparação variabilidade, ambíguo.

Contradições na ambição de Turner: a ambição ou a fantasia de alcançar a total visibilidade (a identificação e classificação de todas as algas) e o discurso moral sobre a humildade, inclusive na ciência. A esperança de encontrar a ordem porque a criação de deus não poderia ser caótica… mas a aceitação do “mistério divino” e dos limites do conhecimento humano.

princípios morais e religiosos expressos em atitudes para com a natureza e família (Turner) – observação do mar revelava o poder supremo de Deus – necessidade de humildade e modéstia! A linha de costa marcava a divisão entre o conhecido e o desconhecido, quer em termos físico quer espiritual.



Conclusão

Analogia entre o natural e o social taxonomia natural e social. Continuidade, tradição, permanência, progresso.

Observação combina performance e produto.

O retrato de uma comunidade em ação não é totalmente capturada pela noção de rede.

Aspectos transversais e questões sobre estes três capítulos:
- Observação como processo individual ou coletivo?

Pela análise do tipo de actores e dos locais pode inferir-se que apesar de o acto em si poder parecer isolado é dependente de uma rede.
A análise é feita a nível micro e meso da organização social, ou seja, dos indivíduos e também os grupos ou instituições.

- São as imagens atores neste cenário? (cap. 15)
- Legitimação da autoria? (transversal aos três capítulos)
- Importância do treino e contexto, da disciplina, da geografia, da distância? (a questão da distância, particularmente pertinente no cap. 15)
- Gabinete vs. campo (cap. 15)? Consultório vs. redação da Real Sociedade de Medicina (cap. 16)
- As observações são construções aceites pelos pares em comunidade (observação como construção é um elemento transversal aos três capítulos).
- Papel do Estado (cap. 15 e 16) ou da sua ausência (cap. 17) nos processos de observação.
- Observação: Como observar?

Condicionantes:
Quem a faz, o conhecimento que se pretende extrair, e a quem se quer fazer chegar o resultado da observação (ver especialmente o capítulo 15);

Modelos de conhecimento em construção e também a construção de standards.

A questão da autoridade/autoria e da legitimidade ao nível das observações e prioridade das publicações – o valor das observações (ver especialmente o capítulo 16)

No capítulo 16 é mais a construção da estandardização e normalização de técnicas escritas de observação (há uma fusão de autorias no papel do redator) – as técnicas escritas (o papel e a tinta) foram instrumentais no resultado produzido.
O contexto da observação, a oportunidade de observação.

Cap. 17 - Observação ligada a hábitos de vigilância (de si próprio e dos outros) que estavam já presentes nos hábitos dos naturalistas e que foram potenciados pela guerra e as suas consequências. Há uma ténue fronteira entre observação e experimentação.

Escala e aparelhos de observação:
Cap. 15 – lentes/ lupa – poder de observação dos olhos do naturalista
Cap. 16 - questionários
Cap. 17 - microscópio





Observing New Things: Objects

Sessão de 17 de Outubro de 2013, book-club

Part IV: Observing New Things: Objects (Chapters 11 - 14)

‘Introduction’, pp. 277-280;
Th. Porter, ‘Reforming vision: the engineer Le Play learns to observe society sagely’, pp. 281-302;
M. S. Morgan, ‘Seeking parts, looking for wholes’, pp. 303-325;
O. Dror, ‘Seeing the blush: feeling emotions’, pp. 326-348;
K. Wilder, ‘Visualizing radiation: the photographs of Henri Becquerel’, pp. 349-368.


in Lorraine Daston & Elizabeth Lunbeck eds., Histories of scientific observation, (Chicago/London: The University of Chicago Press 2011).

1 . Algumas palavras sobre os autores (Samuel Gessner)

Como sempre, não faz mal conhecer a trajectória e actual posição a partir da qual um autor se exprime. Nesta secção do livro contam-se pessoas muito distintas e de origens muito diversas: Porter é professor na UCLA no departamento de História (colega de Norton Wise e outros que tratam de ciências). O seu primeiro livro The Rise of Statistical Thinking (1986) analisa já o uso da estatistica na governança e no discurso sobre a sociedade. Morgan é professor de História de Economia na LSE. Tem-se dedicada, pelos títulos das suas publicações, às questões de 'factos' económicos, modelos, o 'natural', e a observação/experimentação. Dror é professor de antropologia médica, e director de  Department of the History of Medicine, Medical Faculty, Hebrew University of Jerusalem. Publicou sempre sobre questões de história da dor, emoção, etc., sécs. XIX e XX. Finalmente, Wilder é reader in Photographic History, na De Montfort University Leicester. Tem publicado sobre o uso da fotografia nas ciências.

2 . Sinopse comparativa dos quatros textos, e uma questão reflexiva (Pedro Raposo)

Nas breves notas que se seguem procurarei abordar esta secção de HoSO do ponto de vista das atitudes do observador, aqui enquanto actor histórico. Farei esta abordagem tendo em mente três tópicos que me parecem relevar, em comum, deste conjunto de textos: i) pressupostos, experiência e conhecimento prévios do observador; ii) categorias de observação; iii) métodos e processos de observação propriamente ditos. Há um quarto aspecto que  subjaz a estes três, e que se prende directamente com o problema das virtudes epistémicas: em cada caso, o que caracterizava o observador ideal?

T. Porter mostra-nos como a crença conservadora de Frederic le Play numa ordem social tradicional o levou a valorizar a observação directa em detrimento dos métodos estatísticos. A categoria de eleição de Le Play, o orçamento familiar, era também objecto de quantificação, mas a narrativa  tinha aqui um maior valor metodológico pois permitia descrever o interior da realidade social. O bom observador não era o observador independente, mas antes o observador comprometido com a realidade que estudava. Na óptica paternalista de Le Play, o melhor observador seria mesmo aquele que tivesse responsabilidade directa sobre os sujeitos observados. 

No texto de M. S. Morgan, a aplicação, em países africanos, de sistemas de descrição económica de origem anglo-saxónica (NIA e PLS) serve para mostrar que o processo empírico de observação pode conduzir à revisão das categorias de observação, e também dos pressupostos que lhes estão subjacentes. Enquanto no ocidente os economistas tomavam o lar como uma unidade fechada, tornou-se necessário atomizar o lar africano para escrutinar os fluxos e trocas que tinham lugar no seu interior. O lar era aqui palco de um vigor económico que escapava às categorias económicas ocidentais, segundo as quais estas economias eram, a priori, tidas como primitivas. A virtude do observador residia então na capacidade de lidar reflexivamente com o seu background cultural e com as suas próprias vivências, no sentido de flexibilizar e readaptar as suas categorias. Morgan salienta aqui o papel da percepção, associada à observação directa, que era influenciada tanto pelo conhecimento teórico do observador como pela sua experiência de vida.

O. E. Dror traz-nos de novo a questão a empatia como forma de observação, que já tinha sido abordada no capítulo de E. Lunbeck. Dror traça a evolução do estudo científico das emoções desde o séc. XIX até ao “paradigma da adrenalina” na primeira metade do séc. XX. Esta evolução correspondeu a uma mudança de pressupostos sobre o fenómeno a observar, que por sua vez se reflectiu nos métodos de observação. A emoção começou por ser encarada como uma experiência subjectiva que, como tal, deveria ser replicada e interiorizada por meio da empatia; segue-se um reducionismo mecéc. XX. Esta evolução correspondeu a uma mudança de pressupostos sobre o fenómeno a observar, que por sua vez se reflectiu nos métodos de observação. A emoção começou por ser encarada como uma experiência subjectiva que, como tal, deveria ser replicada e interiorizada por meio da empatia. Seguiu-se um reducionismo fisiológico que procurava reduzir o fenómeno emocional a processos fisiológicos mensuráveis através de dispositivos mecânicos. A sensibilidade do observador foi assim transferida para o dispositivo mecânico de observação. Já no séc. XX, verifica-se o que Dror apresenta como um  regresso à empatia. Ao observarem estados de elevada excitação, os próprios observadores eram acometidos de reacções extremas, que tinham o cuidado de registar mesmo que não se servissem desse registos nos seus textos finais. Esta afinidade entre as emoções dos observados e dos observadores teriam assim levado estes últimos a definirem a categoria “supremely extreme.” Parece-me, no entanto, que Dror descura um aspecto importante,  que é o facto de, neste último caso, a empatia não ter sido uma opção voluntária, mas antes uma reacção acidental que precisava de ser controlada. Se tivesse prestado mais atenção a esta diferença, Dror oferecer-nos-ia porventura uma discussão muito mais interessante do que o remate feminista com que encerra o seu texto.

Por último, K. Wilder mostra-nos como a cultura visual e a construção de iconografias constituem uma arena de eleição para a procura de credibilidade e reconhecimento. Ciente do papel das imagens na popularidade dos raios X, Henri Becquerel procurou tornar a radioactividade igualmente visível. Para tal empenhou-se na exploração de técnicas fotográficas enquanto formas de observação, explorando essencialmente duas categorias: a reacção das emulsões fotográficas às substâncias radioactivas, e a visualização fotográfica dos próprios raios. A virtude do observador estava aqui em tornar colectivamente observável um fenómeno que é, pela sua natureza, inviconhecimento e tográfica dos pr´ategorias: a reacçrtude do observador estava precisamente em tornar ruiçm as suas prsível.

Na discussão de grupo, procurarei reflectir sobre o modo como os quatro tópicos de análise que orientaram estas notas poderão aplicados às minhas próprias investigações. Gostaria de convidar os colegas a fazerem o mesmo exercício, e a apontarem outros tópicos de relevo que tenham identificado ao lerem esta secção de HoSO. Por último, uma questão de carácter reflexivo que me surgiu ao ler estes testxos, e que gostaria também de trazer à discussão: pode o trabalho do historiador ser considerado como um trabalho de observação do passado? E se sim, quais são então as virtudes “observacionais” que deveremos perseguir na nossa actividade? Julgo que esta questão reflexiva poderá ser interessante para testarmos os limites do próprio conceito de observação, que neste livro é empregue de uma forma ostensivamente lata. 

3 . Notas adicionais e tópicos para discussão (Samuel Gessner)

No que se segue procuro explicar como as minhas experiências de investigação se refletem na leitura desta parte do livro de Daston/Lunbeck. Constato primeiro que os autores Porter, Morgans, Dror e Wilder nos apresentam, cada um, um estudo de episódios (1830-1860, 1940-1960, 1850-1930, 1850-1900) em áreas muito diversas, como formas de 'ciência social', de 'econometria', de 'psycho-fisiologia' e de 'física de matéria'. Cada episódio (todos europeus e oitocentistas) ligado eminentemente a pequenos grupos de individuos por vezes espalhados geograficamente.

Sem prescindir totalmente das referências cronológicas, cada autor está preocupado principalmente com a identificação da categoria de 'observação' elaborada ou praticada por seus actores. Tem que se dizer que um capítulo dentro de uma tal colectânea é necessariamente formatado para fornecer os elementos do seu tópico de forma a tornar a sua análise plausível. Não nos fornece o contexto suficiente para avaliarmos se as fontes e os métodos usados são os adequados para tratar a questão visada. Acresce que nem todos estes casos incluem um papel de destaque para a categoria de 'observação': Le Play parece mais preocupado com questões de 'reforma' social ou de gestão social, e Deans and PLS estavam empenhado em desenvolver uma ferramenta de representação e comparação de macroeconomias, no caso das emoções os problemas de definição ou de quantificação seriam eventualmente tão importantes quanto a observação, e Becquerel tinha o problema 'clássico' de criação de uma nova entidade natural. Quero por isto dizer que todos estes empreendimentos envolviam sempre questões de 'observação' mas nem sempre era esta o problema crucial.
Porter argumenta que a época revolucionária e o ensino na Polytechnique favorecia o uso de Estatística. O seu protagonista Le Play, no entanto, recorre também a outros meios de 'observação' e cada vez mais: ao procedimento usado nos Blue Books, e finalmente ao conselho dado pela élite e pelos sábios – que não pode ser chamado propriamente uma 'observação'.
Morgan mostra um caso, aparentemente clássico, de um esforço de observação económica, que leva modificar o modelo e os conceitos na base do modelo da actividade económica de uma nação.
Dror parece indicar que da emoção só se conservava o nome, mas o que esteve no foco da observação não era o mesmo objecto aquando o paradigma de 'feeling' e aquando do paradigma do 'seeing'.
Wilder finalmente demostra de forma evidente a artificialidade da separação entre as categorias e observação e experimentação na segunda parte do século XIX.

Nestes quatro estudos, há dois aspectos análogos e um problema que aparentemente lhe é comun, e que me chamam a atenção:
1) O aspecto do pluralismo: numa dada área 'científica' parece que um paradigma de observação prevalece, mas os indivíduos apresentados encontram categorias e métodos diferentes ao contactar com práticos de outras tradições, áreas, e podem tentar adoptar, importar esses categorias/métodos. Por exemplo: a economia não interesse apenas os 'economistas' e as propostas de como a observar, mesmo a economia de um país, são tão múltiplas como são disciplinas e meios práticos (governo, comércio, associações e sindicatos, etc.). O que me interesse são os pontos de contacto, e os processos de tradução, transposição, a negociação de credibilidade e autoridade de abordagens: quando Deans colabora com antropólogos, ou vai falar com gestores, comerciantes, oficiais do governo. No caso do conhecimento do “background” do que fala Morgan não se trata de um outro 'corpo de conhecimentos', cada actor tem um conhecimento diferente do 'background', e pode desenvolver a sua própria prática usando conceitos, operações, conhecimentos provenientes de um outro grupo se tiver a oportunidade de se cruzar com ele.

2) O aspecto da trajectória: O espaço e a rede dentro da qual um actor actua não será essencial para perceber as escolhas em termos de modelos, conceitos, e também prática e método de observação? Quando no caso estudado por Porter as escolhas de Le Play aparecem quase paradoxais na sucessão do método estatístico progressivamente para uma 'não observação' e o recorrer aos 'sábios', para mim, pelo contrário, ao notar o espaço no qual Le Play actua (primeiro como aluno da Polytechnique, depois, no final, como Conseil d'État de Louis Napoléon), as escolhas dele parecem adequar-se aos leitores e o público que Le Play visa. A Polytechnique fala do social e da gestão por meios estatísticos, o parlamento e o governo prefere os relatórios, e 'testimonies' de actores (como no tribunal), o imperador rodeia-se de sábios – Le Play é um 'sábio' do segundo Empire.

Por fim, os casos levantam ao meu ver também um problema (metódico/historiográfico) em comum: como é que estes estudos específicos nos ensinam coisas sobre o pensamento e a prática da observação na história? Enquanto casos exemplares, representativos, paradigmáticos? Qual a sua real importância face às centenas de casos paralelos? Tinham um papel na 'transformação histórica' da categoria observação?

Para mim, que trabalho sempre sobre casos específicos, em tempos e lugares precisos, este problema levanta-se com muita frequência. Quem é que nos diz que não temos pela frente um caso muito especial e excepcional? Ou como é que selecionamos os nossos estudos de caso? Como conseguimos ligar o caso com o que se passa antes, ao mesmo tempo, e depois? Estas questões não são abordadas nos textos que lemos – e certamente de propósito, por se tratar de um uso 'filosófico' da história mais do que uma história do conceito e das práticas da observação. Mas essa primeira abordagem parece que está cega para os aspectos do pluralismo e da trajectória acima mencionados

Tema: Big Picture em História da Ciência

Sessão de 19 de Março de 2013, Daniel Gamito Marques

Tema: Big Picture em História da Ciência
O tema deste Journal Club está relacionado com um assunto que me parece ser bastante importante no contexto da actual História das Ciências: a ausência de estudos globais e integradores do conhecimento produzido no âmbito da disciplina, ou, dito de outra forma, a ausência de uma “big picture”. Os artigos que propus para lançar o debate reflectem diferentes momentos da discussão do tema e as posições de alguns autores relativamente às estratégias que deverão ser seguidas para superar esta limitação da historiografia contemporânea.

Grandes narrativas e “whiggism”

Desde o final do séc. XIX, os estudos históricos sobre a evolução das ciências tiveram frequentemente intenções moralizadoras. Os investigadores procuravam construir grandes narrativas do desenvolvimento científico, cujos protagonistas eram homens extraordinários movidos por um ardente amor ao conhecimento, trazendo o progresso às suas sociedades e o melhoramento das condições de vida. Grandes homens de ciência como Newton, Lavoisier e Darwin, entre outros, eram representados como exemplo a seguir por qualquer aspirante a cientista que se prezasse, sendo implícita ou explicitamente elevados à categoria de homens superiores. No seguimento destas noções, os trabalhos sobre a história das ciências tendiam a apresentar, à boa maneira positivista, que o desenvolvimento económico, político e cultural das sociedades ocidentais, e sobretudo da sociedade europeia, se devia ao desenvolvimento tecnocientífico atingido e à aposta na ciência enquanto actividade privilegiada. A ciência era uma actividade que caminhava triunfalmente em direcção a um maior progresso e a par da evolução da sociedade. As duas guerras mundiais que assolaram e devastaram a Europa contribuíram de uma forma determinante para lançar fortes suspeições relativamente a esta atitude geral; a verdade, porém, é que a ideia de que o grande desenvolvimento científico e tecnológico do mundo ocidental tinha permitido ou catalisado uma maior prosperidade económica, a adopção de regimes políticos tendencialmente mais democráticos, e em alguns casos mesmo a produção de uma cultura superior às outras, continuou a marcar presença em grandes narrativas triunfalistas da história das ciências. Esta atitude simplista foi apelidada de “whiggish”, e durante a segunda metade do século XX vários autores criticaram os seus pressupostos e pontos essenciais, levantando-se polémicas acesas que, em alguns casos, vão até aos nossos dias.

A crítica pós-modernista

A partir dos 1970s, o aparecimento de uma nova corrente historiográfica, a microstoria (“microhistory”, micro-história), que privilegiava a análise de períodos temporais mais curtos e episódios mais delimitados temporalmente, bem como a crescente sofisticação das metodologias de análise historiográfica decorrente da especialização de subdisciplinas da História, e da própria História das Ciências, com destaque para as abordagens sociológicas, contribuíram para a crítica e o descrédito de narrativas “whiggish”, de pendor presentista. O desenvolvimento crescente da disciplina de História das Ciências, a multiplicação de estudos da área, e a especialização de profissionais em épocas históricas e áreas científicas particulares, contribuíram para o descrédito da capacidade que grandes narrativas históricas teriam para esclarecer a evolução da ciência ao longo dos tempos. Esta atitude é, de resto, a base da “condição pós-moderna” ou do “pós-modernismo” (uma das primeiras sínteses desta atitude pode ser encontrada na obra homónima de Lyotard, que foi publicada em 1979).

Onde pára a “big picture”?

Ainda que a salutar crítica a narrativas “whiggish” e a maior sofisticação historiográfica tenham contribuído para enriquecer a História das Ciências, a especialização de profissionais levou a uma fragmentação do conhecimento produzido no âmbito da disciplina. A ausência de uma narrativa globalizante e integradora da quantidade avassaladora de novos estudos que foram sendo produzidos durante a segunda metade do século XX fez nascer um sentimento de desconforto entre os historiadores das ciências: a sensação de que a unidade da disciplina se tinha perdido irremediavelmente e que seria difícil, ou mesmo impossível, voltar a formar uma narrativa sintética que pudesse pôr em evidência os principais factores que levaram à evolução da ciência até à sua forma actual. Em suma, perdera-se a “big picture”.

Diagnóstico e tratamento

A consciência de que voltava a ser necessária uma “big picture” que reunisse os resultados da profusão de estudos da historiografia das ciências numa narrativa mais abrangente, mas desta vez longe do pendor “whiggish” de outrora, manifestou-se de um modo expressivo a partir do final da década de 1980s. Como podemos notar no artigo de Charles Rosenberg (1989), que faz uma breve síntese daquilo que mudou durante os primeiros 75 anos de existência da revista Isis, começaram a aparecer propostas para superar esta situação. Rosenberg propõe que seria importante fomentar a escrita de artigos de revisão (reviews) sobre determinados temas específicos (exemplos: a Revolução Científica, a vida e obra de Darwin, Ciência e Império, conhecimento científico na Idade Média, etc.) que procurassem sintetizar qual o estado actual de determinadas áreas de investigação, proporcionando breves resumos que dariam aos investigadores não-especialistas da área em questão uma visão panorâmica que lhes permitiria ficar a par dos mais recentes desenvolvimentos na História das Ciências. A elaboração destes artigos de revisão (reviews, review articles) começava a praticar-se em áreas científicas que já tinham atingido um elevado nível de especialização (a título de exemplo, refira-se a posterior criação da série de publicações Nature Reviews em 2000, que conta presentemente com 15 publicações temáticas em cancro, genética, imunologia, microbiologia, etc.). Rosenberg também propunha que a historiografia das ciências deveria dedicar-se mais à exploração das relações entre ciência e política. O estudo da ciência praticada no âmbito de determinados contextos políticos poderia fornecer um denominador comum a diferentes estudos conduzidos por investigadores de âmbitos distintos, além de atrair a atenção do grande público.

A procura de uma “big picture”

Prova de que a perda de uma “big picture” na História das Ciências estava longe de ser colmatada é a quantidade de artigos onde o tema é discutido. C. Hakfoort (1991) faz uma excelente síntese daquilo que está em causa no artigo “The Missing Syntheses in the Historiography of Science”. Na sua opinião, nem mesmo os livros da então recente série Cambridge History of Science conseguem suprir a inexistência de “big pictures”. As obras deste género, onde se incluem outros títulos, como o Oxford Companion to the History of Modern Science, assemelham-se frequentemente a “mantas de retalhos”, limitando-se a apresentar artigos de revisão em determinadas áreas específicas (Zoologia, Botânica, Citologia, Anatomia Comparada), tópicos de investigação (Ciência e Género, Ciência e Império), ou conceitos (paralaxe, evolucionismo, oxigénio), sem apresentar uma verdadeira narrativa de síntese. Hakfoort reconhece a qualidade de cada um desses artigos individuais; na sua opinião, porém, eles são insuficientes porque não fornecem a tão necessária “big picture”. Hakfoort propõe que, para que os historiadores das ciências possam escrever uma verdadeira história “big picture”, ainda que seja necessário aceitar que não existe uma única narrativa que possa explicar satisfatoriamente a evolução das ciências, é possível escrever uma narrativa integradora e abrangente se os historiadores tentarem mostrar as várias práticas científicas que existiram ao longo do tempo e o modo como estas foram moldadas de acordo com as concepções socialmente aceites sobre o que deveria ser a filosofia natural/ciência em cada contexto histórico (ou, para usar a terminologia de Foucault, no contexto de cada episteme).

O artigo de Hakfoort não foi o único a discutir as causas e as consequências da ausência de “big pictures” na História das Ciências. Em 1993, um número especial da revista British Journal for the History of Science chamado precisamente “Big Picture” reuniu artigos de seis autores em torno desta questão, como James A. Secord e John V. Pickstone. Cerca de uma década mais tarde, em 2005, a revista Isis publicou um número especial dedicado a esta questão, chamado “The Generalist Vision in the History of Science”, com contribuições de autores prestigiados, como Robert E. Kohler e Steven Shapin. A recorrência deste tema mostra como a discussão em torno das orientações historiográficas necessárias a uma compreensão abrangente e integrada da História das Ciências está longe de se encontrar resolvida, reaparecendo periodicamente. Neste contexto, o artigo de David Kaiser (2005), “Training and the Generalist’s Vision in the History of Science”, fornece alguns dados interessantes para pensar este tópico. A sua singularidade reside nos elementos que o autor põe em evidência para explicar a perda de uma “big picture”, ou “generalist vision”. Para além da maior sofisticação das análises historiográficas e da popularidade de determinadas abordagens entre os historiadores das ciências, factores que são normalmente apontados como os mais importantes para a perda de uma “big picture”, Kaiser nota que a alteração dos requisitos exigidos aos estudantes para se tornarem historiadores das ciências, no seguimento da profissionalização da disciplina, catalisou e aprofundou a fragmentação da investigação numa miríade de estudos parciais e cada vez mais específicos. A necessidade de analisar fontes primárias que requerem estudos demorados levou a que, por um lado, as investigações se tornassem cada vez mais localizadas em contextos e períodos específicos, frequentemente decorrentes do tipo de fontes mais facilmente disponível aos estudantes (localism); por outro lado, a elaboração de obras de síntese (“big picture”) foi dificultada pela diminuição do tempo que os alunos têm disponível para conduzir grandes pesquisas e pela diminuição dos recursos monetários concedidos a essas mesmas pesquisas, o que está ainda directamente relacionado com o grande aumento de profissionais da área. Analisando o número de dissertações de doutoramento produzido nos EUA e no Canadá, Kaiser nota como entre 1988 e 1996 a taxa de produção atingiu os 14,5 doutoramentos/ano! Este valor é ainda mais significativo se repararmos que, como indica Kaiser, esta taxa de produção era onze vezes mais alta do que a taxa de produção de dissertações em outras áreas! À semelhança do que já acontecera em outras disciplinas científicas, o aumento de produção levou a uma especialização e fragmentação da História das Ciências. Apesar do tipo de fontes passíveis de serem analisadas historiograficamente ter aumentado, o que é aliás vantajoso para a compreensão da evolução das ciências, a disciplina acabou por fragmentar-se em pequenos grupos de interesse altamente especializados e entre os quais é não raras vezes difícil estabelecer pontes de contacto e uma linguagem comum.

Desafios futuros

Apesar desta crescente especialização, Kaiser mostra que a História das Ciências continua a ser uma disciplina de grandes assimetrias: mais de dois terços das dissertações produzidas versam os séculos XIX e XX, e metade destas dissertações analisam os contextos americano e britânico. É claro que esta assimetria pode ser compreendida se atendermos ao grau de profissionalização, desenvolvimento e tradição científica da História das Ciências nestes países, bem como aos interesses pessoais dos seus investigadores; esta constatação, porém, não elimina a existência de grandes assimetrias que contribuem para a ausência de uma “big picture”.

Daniel Gamito Marques

Fifty years of The Structure of Scientific Revolutions, twenty-five of Science in Action

Sessão de 19 de Fevereiro de 2013, Pedro Raposo

AA.VV.,
Fifty years of The Structure of Scientific Revolutions, twenty-five of Science in Action
, (special issue). Social Studies of Science, vol. 42, nr. 3, June 2012

Aproveitando a coincidência entre as bodas de ouro da Estrutura das Revoluções Científicas e das bodas de prata de Science in Action (SiA), a conceituada revista Social Studies of Science (SSS) dedicou uma secção temática do número 42 de 2012 a estas duas obras e aos seus autores,1 convidando proeminentes historiadores, filósofos e sociólogos a pronunciarem-se sobre o seu impacto, actualidade e potencial para orientar novas investigações. O resultado é um conjunto de artigos bastante heterogéneo, onde encontramos manifestos de ruptura e continuidade relativamente a ambos os autores. De um modo geral, ressalta do conjunto que Kuhn é já, sobretudo, história, e que foi menos influente na História das Ciências (HC) do que poderíamos pensar. Kuhn surge aqui problematizado sobretudo em termos do seu lugar na genealogia dos Science Studies, sendo a pretensa originalidade das suas propostas confrontada com o contexto em que emergiu a Estrutura e com as apropriações que Kuhn fez de ideias e conceitos que já estavam presentes noutros autores. Em consonância com a ordem cronológica das coisas, o mais recente SiA e o seu autor surgem aqui revestidos de muito maior actualidade, quer para os Science Studies quer para a HC (ainda que, note-se, os dois campos sejam, de um modo geral, tratados de forma indistinta). A primeira questão que se poderia colocar – se faz sentido, para além da coincidência das “bodas”, colocar as duas obras lado a lado – parece-me, por isso, pouco interessante, pois não carece de demonstração a grande influência de ambos os livros em foco, e até mesmo para o mais datado Kuhn não deixam aqui de surgir propostas no sentido de uma certa continuidade. 

Lynch & Mialet
Comecemos então por seguir Michael Lynch2 e questionar o que separa e aproxima os dois livros. Lynch, editor cessante da SSS, parece-me acertar ao apresentar a Estrutura e o SiA como sendo exemplificativos das próprias ideias que veiculam: Kuhn operou uma revolução no modo como abordamos a ciência o seu desenvolvimento histórico, e Latour foi indubitavelmente bem sucedido em construir uma amplo actor-rede para a sua abordagem. Lynch aponta também as semelhanças entre o conceito de matriz disciplinar (apresentado no posfácio à segunda edição da Estrutura) e o de actor-rede, assim como o facto de ambos os autores se terem servido de uma retórica revolucionária. No entanto, deixa em aberto a questão da agência, que assinala como o fulcro das diferenças entre Latour e Kuhn, e que por isso mesmo mereceria pelo menos uma discussão preliminar. Isso ajudar-nos-ia certamente a responder à questão contra-factual lançada por Hélène Mialet, “onde estariam os Science Studies sem Bruno Latour?”3, de forma mais concreta do que o faz a própria autora. Mialet, discípula de Latour, estende o exercício de aplicação de Science in Action ao próprio livro e ao seu autor, chegando mesmo a questionar se SiA não se tratare alimentar o capaz de gerar debate. assim um retarto mais va e autor toca na questas dos dois gigantes ocidentais como merameá, afinal, de uma autobiografia. Ou, poder-se-ia acrescentar, de uma espécie de autobiografia avant-la-léttre, de um projecto de vida intelectual que logrou ter uma concretização particularmente feliz. Também o texto o texto de Mialet é uma feliz sinopse biográfica, e até auto-biográfica, pois a autora é ela própria parte integrante do actor-rede de Latour. E ao desfiar a sua breve digressão reflexiva revela-se hábil em atenuar o compreensível tom encomiástico que lhe está subjacente. Apresenta-nos um Latour em contexto, assinalando interesses e divergências intelectuais, e personagens que o influenciaram, oferecendo-nos assim um retrato mais vívido do nascimento do SiA. Mas é obviamente noutras contribuições que temos que procurar o criticismo capaz de gerar e alimentar o debate.

Fuller
É interessante notar que, dentre os autores que contribuem para o conjuntoa, são os filósofos que parecem tomar as posições mais pragmáticas. Partindo de uma percepção de que uma difusa mas poderosa ordem neo-liberal se apoderou da academia, moldando os rumos à investigação universitária, Steve Fuller4 vem defender a abordagem de carácter normativo subjacente à subdisciplina que ele próprio promove, a epistemologia social. Kuhn e sobretudo Latour, se não os autores, pelo menos os livros em foco e a difusão e influência que tiveram, são apontados como culpados pela demonização da simples ideia de que a ciência, enquanto actividade intelectual, possa ser autónoma da sociedade em que se insere (ainda que, neste ponto, seja preciso ter em consideração que o próprio Kuhn apreciava a ideia das comunidades científicas isoladas – mas também Michael Lynch recorda que SSR e SIA foram apropriados e recontextualizados muito para além do que os próprios autores desejariam). Fuller critica especialmente a homogeneização ontológica operada por Latour que, fugindo a caracterizar a ciência como uma forma específica de actividade humana para a descrever essencialmente como um processo de extensão de redes, coloca num mesmo plano todos os entes (ou actores) envolvidos, humanos e não humanos. Uma tal concepção de ciência sobrepõe-se ao dualismo internalismo/externalismo apagando definitivamente do horizonte a simples possibilidade uma ciência orientada essencialmente pelos ditames da investigação desinteressada e do jogo intelectual da procura do conhecimento. A visão de Fuller reveste-se de um ostensivo idealismo (no sentido da defesa de um ideal de independência académica), mas o facto de muitos dos centros de investigação em STS e dos mais sonantes nomes da área se situarem presentemente em molduras institucionais orientadas para as questões dos mercados e dos negócios, não só dá força à sua crítica como confere pertinência à sua proposta normativa. Este é talvez um dos pontos que deverá merecer uma maior atenção na discussão: terão Kuhn e Latour, por força da difusão e impacto dos livros em análise, condenado condendenars em an umafessor que defende abertamente estas ideiass seu mangle, lgo evasiva eender a natureza como umapor força condenado condecondenado os Science Studies, incluindo aqui a HC, a submeterem-se a interesses e agendas exteriores ao mundo académico? Ou será o seu sucesso, para utilizar a expressão de Michael Lynch, auto-exemplificativo, na medida em ele próprio reflectiria essa promiscuidade entre o mundo universitário e tudo o que o rodeia? E nesse caso será possível quebrar o círculo? Mas importa também questionar se, uma vez que os Science Studies se prestam a conceptualizar uma ciência que interessa à ordem neo-liberal, não é isso também um projecto normativo? Nesse caso, o problema não está em tomar ou não uma abordagem normativa, mas antes na forma de normatividade que se escolhe. 

Turner
Stephen Turner5 aborda o modo como, ao “socializar”, sob a forma de paradigma, a ordem conceptual que o neo-kantismo defendia existir na física, Kuhn abriu caminho para o relativismo nos Science Studies, uma vez que o paradigma continha as suas próprias bitolas de sucesso, baseadas em premissas destituídas de efectivo fundamento racional. Quanto a Latour, Turner assinala que a teoria actor-rede “des-epistemologizou” o social e excluiu a explicação cognitiva da bateria de recursos a empregar no estudo da ciência, tendo Latour, colocado o foco na descrição, em detrimento das várias explicações alternativas que pretendia ultrapassar. Turner considera que as explicações fornecidas pela teoria actor-rede não chegam sequer a ser explicações, constituindo, na melhor das hipóteses, descrições. Neste ponto Turner parece confirmar o sucesso da estratégia defensiva de Latour que consiste afirmar que pretende descrever e não explicar. Mas o ponto importante a reter da crítica de Turner é a ênfase que atribui aos agentes da rede dotados de intencionalidade e às suas crenças sobre os factos sumarizados na descrição da rede, o que o autor toma como sinal de que é preciso voltar à epistemologia. Propõe então “epistemologizar” o social, de modo a compreender-se como se formam as crenças, o que implica conhecer quer os sujeitos, quer as rotinas institucionais em que estes se envolvem. Avisa que será necessário colocar questões politicamente incómodas – e.g., quando se deve acreditar nos especialistas, quando é que podemos confiar no processo de formação de consensos científicos. Mas uma vez que não nos deixa quaisquer pistas concretas sobre o modo de implementar a sua proposta de epistemologia social, perguntamo-nos até que ponto é que tem resposta esta questão igualmente incómoda – terão os próprios epistemólogos e filósofos da ciência algo de credível a dizer sobre estes problemas? 

Pickering & Collins
Apesar de as respectivas obras deixarem transparecer uma especial preocupação com essas questões, Andrew Pickering e Harry Collins optam aqui por se centrarem em Kuhn, adoptando uma postura ao mesmo tempo crítica e heurística. Numa curiosa fusão de paradigmas (que é também auto-exemplificativa da posição do autor) Pickering6 parte da noção taoista de que o mundo está em permanente fluxo para caracterizar os paradigmas como resultantes da procura de ilhas de estabilidade. Eae deve acreditar nos especilistasdeverm ser clocadas - quando stemologizou"para alçentntlmn Kuhn por Keoyr a natureza como umanfatiza a noção de “mundos diferentes”, mas apela a uma abordagem desta noção em que a diversidade nos modos de apreender a natureza é vista como uma possibilidade de inovação e adaptação, e não como algo negativo. Essa pretensa negatividade prender-se-ia com o problema da racionalidade – se os cientistas se convertem de um paradigma para outro (ou seja, mudam de mundo) de forma sobretudo intuitiva, então a mudança em ciência é um processo eminentemente irracional. Pickering faz uma abordagem ligeira e algo evasiva deste problema, mas escuda-se eficientemente na proposta de que a natureza permite vários modos de coexistirmos com ela, ao nível dos conceitos e sobretudo das práticas. Faz uma ostensiva apologia dessa diversidade, e da ciência enquanto adaptação a uma natureza em fluxo, ainda que pouco nos diga sobre o que perfaz a consistência interna de cada um dos mundos diferentes que invoca como exemplos. Mas uma vez que se serve do seu próprio trabalho, isto é algo a ser procurado nos seus textos de referência, e não neste breve comentário. De um modo geral, poder-se-ia dizer que Pickering assume uma postura neo-Kunhniana, dando mais ênfase às práticas e à materialidade do que aos conceitos, e substituindo a incomensurabilidade por um enfoque nas possibilidades de comunicação entre paradigmas. Resta saber se ainda tem alguma utilidade este Kuhn transfigurado, ou se não nos servirá melhor o actor-rede para descrever a formação destas ilhas de estabilidade. Claro que Pickering preferira, seguramente, o seu mangle,7 que é, em grande medida, ANT sob a forma de uma metáfora tecnológica. 

Também Collins8 opta por enfatizar a questão da comunicação. Começa por abordar o contexto em que a Estrutura foi escrita, apontando alguns trabalhos antecedentes, nomeadamente os de Fleck (que, diz-nos Collins, pensava como um cientista, de forma reflexiva), Wittgenstein, e sobretudo Peter Winch. A ideia-força que, segundo Collins, já estava presente nestes autores e que foi explorada por Kuhn é que os paradigmas são formas de vida em ciência. Não se pode separar um paradigma conceptual de um paradigma prático, porque na vida colectiva a ideia torna-se inseparável da prática. Apesar de relativizar o carácter inovador da Estrutura, Collins concede a Kuhn o mérito de ter desencadeado uma nova forma de pensar a ciência, e considera não só que não haveria ideia de incomensurabilidade sem Kuhn, mas também que esta ideia requer mais trabalho exploratório, constituindo uma importante linha de investigação a ser desenvolvida. Collins descarta a noção de “trading zones” empregue por Galison como um simples artifício linguístico para exprimir o facto de que indivíduos situados em diferentes paradigmas comunicam entre si; por conseguinte, deixa em aberto o modo como efectivamente se processa esta comunicação. E aí reside a possibilidade de ainda estendermos o que Kuhn aflorou na Estrutura

Dear & Jasanoff
Peter Dear e Sheila Jasanoff assinam dois dos texto mais fortemente críticos do lote. Dear9 dissocia-se do espírito celebratório do conjunto, argumentando que Kuhn teve pouca influência na história da ciência, e que algumas das questões centrais exploradas em Science in Action (nomeadamante a anulação da distinção entre epistemologia e ontologia) não geraram especial interesse entre os historiadores. Em vez de celebrar as duas obras e os seus autores, Dear salienta que estes já têm vindo a ser longamente celebrados - o que não constitui prova de influência, sendo esta, aliás, um fenómeno bastante difícil de avaliar, como aponta Dear. Se Harry Collins nos apresenta um Kuhn prosperando intelectualmente com recurso a ideias e conceitos previamente lançados por Finch e Wittgenstein, Dear acentua o apego de Kuhn por Koyré, cujo estilo de história intelectualista não coincide com a imagem habitual da Estrutura e do seu impacto. Segundo Dear, a Estrutura adquiriu um estatuto mítico nos Science Studies por ter afastado a filosofia da ciência do empirismo lógico e a sociologia da ciência do funcionalismo mertoniano, abrindo assim caminho aos trabalhos revolucionários de Donna Haraway e do próprio Latour. De resto, terá sido a filosofia da ciência o principal receptáculo da Estrutura. Note-se o contraste com Steven Fuller, relativamente à questão da autonomia das comunidades científicas. Fuller faz uma apologia do normativismo em prol da livre investigação, procurando, nessa linha, resgatar Kuhn das leituras que o colocaram na senda de uma ciência que não pode ser desligada dos seus contextos mais amplos. Já Dear apresenta a Estrutura como um eco do modelo de uma ciência livre e democrática que era propalado nos EUA durante a Guerra Fria, mas que, como o próprio Dear sardonicamente aponta, colidia com a realidade de um meio científico dependente de fontes externas de financiamento, e por mesmo sujeita a interesses vários. Este ponto deve ser visto à luz da recente polémica que opôs Peter Dear e Sheila Jasanoff a Lorraine Daston, a propósito da aproximação entre os Science Studies e a História da Ciência. Defendendo uma aproximação entre estes dois campos como uma forma de abordar o complexo entrosamento da ciência com sociedade, a economia e a política, Dear e Jasanoff contestam a proposta de Daston de uma reaproximação entre a história da ciência e a filosofia da ciência, que vêm como uma deriva intelectualista contrária a uma forma de estar na vida académica preocupada com o mundo que a rodeia. Ou seja, se de facto a vida académica não pode ser separada do mundo em que insere, mais vale assumi-lo e seguir precisamente por aí. Compreende-se assim o certo desdém com que Dear retrata um Kuhn fascinado com a ideia de comunidades científicas isoladas, e que tomou como modelo historiográfico a obra de um historiador interessado, acima de tudo, no conteúdo intelectual da ciência (Koyré). No entanto, se Dear parece estar certo ao relativizar a influência de Kuhn no modo como se tem vindo a fazer história da ciência, é menos convincente no modo como caracteriza a influência de Latour entre os historiadores, pois aborda o assunto em termos de questões conceptuais quando o grande impacto historiográfico de Latour reside, assim me parece, na pregnância dos artifícios idiomáticos que habilmente introduz em Science in Action: “centros de cálculo”, “acção á distância”, etc. Fosse pela influência do próprio Latour, ou simplesmente pelo progressivo esgotamento dos tópicos históricos centrados nas grande figuras, instituições e centros de produção, uma atenção cada vez maior a temas históricos em que a circulação, a comunicação, os impérios e os espaços coloniais, garante uma utilidade prolongada para o idioma latouriano, mesmo que os historiadores estejam pouco preocupados em discutir as questões conceptuais subjacentes a Science in Action. E sendo Dear um defensor da aproximação entre os Science Studies e a HC, é estranho não encontrar aqui um motivo de contentamento: pois se o idioma kunhiano se expandiu sobretudo para além das áreas disciplinares mais directamente relacionadas com a Estrutura, o idioma de Latour tem claramente uma forte presença na HC, consistindo portanto uma via de aproximação. 

Jasanoff10 reconhece plenamente esta pregnância idiomática, mas referindo-se aos Science Studies (ainda que aparentemente tome o campo como inclusivo da história da ciência, o que é coerente com a posição partilhada com Dear, e que acabo de referir). O artigo de Jasanoff é talvez dos que assumem uma posição reflexiva e crítica mais forte. A autora começa por caracterizar o número temático da SSS como um exercício de identidade de grupo, avançando depois para uma severa caracterização de Kuhn, em que este é retratado como detentor uma imaginação social pobre, que se reflecte quer na visão machista da ciência que oferece na Estrutura, quer na pouca importância que nessa obra (e no seu trabalho em geral) concede às interacções sociais. Se Kuhn deve ser invocado quando se traça a genealogia dos Science Studies, então deve sê-lo sempre juntamente com Fleck, que a autora apresenta não apenas como um percursor de algumas das ideias apresentadas na Estrutura, mas sobretudo como um pensador mais subtil, que se debruçou sobre as questões da subjectividade e da comunicação (poderíamos então dizer, inter-subjetividade), tendo inclusivamente mostrado alguma sensibilidade à questão do género. Também Latour é alvo de fortes críticas. Segundo Jasanoff, Latour não oferece senão uma abordagem de vistas curtas à complexidade da ciência. Isto porque, argumenta a autora, ao prescrever que devemos seguir os engenheiros e cientistas para analisarmos as controvérsias científicas, Latour coloca uma ênfase nos actores que negligencia importância da sociedade, da cultura e das instituições no desenrolar dessas mesmas controvérsias. E avança que devemos mesmo deixar de abordar as controvérsias em termos de quem ganha, e em vez disso questionar quem beneficia com o resultado das controvérsias, e para que fins. Ainda que use o termo apenas de forma tangencial, Jasanoff faz claramente uma apologia do seu idioma alternativo, dito de co-produção, que supostamente permitiria proceder a uma caracterização mais abrangente não só das controvérsias científicas mas de toda a complexidade das interacções entre a ciência, a tecnologia e os seus contextos sociais, políticos e económicos. Já discutimos este tema aqui no Journal Club11 e não resisto a reiterar que, ainda que concorde com Jasanoff relativamente à atenção alargada que devemos dar a estas interações, o seu idioma pouco parece trazer de novo. Percebe-se que autora quer vincar a sua influência (que já é enorme) nos Science Studies, e que a orienta uma clara noção de que triunfará quem apresentar o idioma mais pregnante. Mas não será o seu idioma da co-produção apenas mais um “fogo de artifício verbal”, expressão com que se refere indirectamente ao idioma latouriano?

Lagesene
Igualmente preocupada com questões de género está Vivian Anette Lagesene, que assina o que eu considero tratar-se da contribuição mais desinteressante de todo o conjunto. O seu texto transmite a sensação de ter sido escrito à pressa porque sim – era imperativo haver um artigo sobre Science Studies e género. Carece totalmente do fôlego crítico da maioria dos restantes textos e da graciosidade do encómio de Mialet, oferendo uma espécie de apologia ilustrativa que nem sequer se refere à obra de Latour em foco, mas antes ao mais tardio Reassembling the Social. Ainda assim, se a sua intenção era mostrar que, ao contrário do que apontam as críticas feministas, Latour lançou ideias importantes para os estudos de género, não fica claro em que medida em que estas ideas podem potenciar uma abordagem que permita avançar significativamente para além dos binários e essencialismos tradicionais. Lavesen parece, pelo contrário, mostrar que afinal Jasanoff tem razão quando fala de “fogo de artifício verbal”; o idioma latouriano servirá, afinal, para tudo aquilo a que se quiser aplicá-lo. E como talvez perguntasse Fuller – no fim de contas, explica o quê? 

Nakajima
Também a contribuição de Hideto Nakajima12 sugere ter sido incluída para que esta série de artigos fosse “academicamente correcta” – neste caso, para que não se veiculasse uma perspectiva exclusivamente ocidental. Mas o árido relato que Nakajima oferece acerca da história dos Science Studies no Japão e da introdução da Estrutura no seu país é decepcionante para quem o lê esperando encontrar alguma perspectiva refrescante. Mais importante do que a cronologia dos Science Studies no Japão, ou até do que a revelação de que Latour tem pouco impacto na cena académica nipónica, é seguramente o apelo do autor a uma nova orientação nos Science Studies, que permita lidar com fenómenos como os de Fukushima. Nakajima apresenta como missão para os Science Studies japoneses a criação de novas linhas conceptuais e metodológicas que possam fazer face ao que designa por “ciência real”. Há um indisfarçável toque nacionalista no modo como apela a este empreendimento, e como classifica as obras dos dois gigantes ocidentais como sendo essencialmente descritivas. No entanto, ainda que tamb e quaisquer proostas concretas oncretas , nte descritivas. Mas o autor toca na questas dos dois gigantes ocidentais como merameém não apresente quaisquer propostas concretas, parece-me relevante o reforço ao apelo pragmático presente noutras contribuições, não meramente no sentido de se promover a explicação em detrimento da simples descrição, mas sobretudo de transformar os Science Studies numa disciplina de intervenção. Uma profunda discussão em torno desta questão é seguramente uma boa forma de celebrar os 50 anos da Estrutura e os 25 de Science in Action

Notas:


 1 V. a introdução de Sergio Sismondo, ‘Fifty years of The Structure of Scientific Revolutions, twenty-five of Science in Action’, Social Studies of Science 42, 2012: 415. Não teço aqui qualquer comentário a este texto uma vez que se trata apenas da apresentação do tema.
2 Hélène Mialet, ‘Where would STS be without Latour? What would be missing?’, Social Studies of Science 42, 2012: 456.
3 Michael Lynch, ‘Self-exemplifying revolutions? Notes on Kuhn and Latour’, Social Studies of Science 42, 2012: 449.
4 Steve Fuller, ‘CSI: Kuhn and Latour’, Social Studies of Science 42, 2012: 429.
5 Stephen Turner, ‘Whatever happened to knowledge?, Social Studies of Science 42, 2012: 474. 
6 V. Andrew Pickering, The Mangle of Practice, University of Chicago Press, 1995, esp. pp. 22-7.
7 Andrew Pickering, ‘The world since Kuhn’, Social Studies of Science 42, 2012: 467.
8 Harry Collins, ‘Comment on Kuhn’, Social Studies of Science 42, 2012: 420.
9 Peter Dear, ‘Fifty years of Structure’, Social Studies of Science 42, 2012: 424.
10 V. Sheila Jasanoff, ‘The idiom of co-production’, in Sheila Jasanoff (ed.), States of Knowledge: The co-production of Science and social order, Routledge, 2004, pp. 1-12. 
11 Sheila Jasanoff, ‘Genealogies of STS’, Social Studies of Science 42, 2012: 435
12 Hideto Nakajima, ‘Kuhn's Structure in Japan’, Social Studies of Science 42, 2012: 462.